sábado, 31 de maio de 2014
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Bibliotecas pelo mundo
BIBLIOTECA DO CONGRESSO – WASHINGHTON, EUA
Mais antiga instituição federal dos Estados Unidos, a Biblioteca do Congresso é considerada a maior do mundo.
BIBLIOTECA BODLEIANA – OXFORD, INGLATERRA
Criada em 1602, a biblioteca da Universidade de Oxford é uma das mais antigas da Europa.
BIBLIOTECA DA ABADIA DE SAINT GALL – SAINT GALLEN, SUÍÇA
Com 160 mil volumes, a biblioteca da Abadia de Saint Gall é a mais antiga da Suíça e impressiona pela sua belíssima decoração.
BIBLIOTECA DO MOSTEIRO BENEDITINO – ADMONT, ÁUSTRIA
Com 70 mil volumes, a biblioteca do Mosteiro Beneditino tem o teto composto por sete cúpulas, todas decoradas com afrescos de Bartolomeo Altomonte.
BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE MELK – MELK, ÁUSTRIA
Fundada em 1089, a abadia de Melk abriga uma biblioteca fundada no século XII.
BIBLIOTECA DO CASTELO DE CHANTILLY – CHANTILLY, FRANÇA
O espaço da biblioteca inclui ainda uma das mais importantes galerias de arte da França. Destruída durante a Revolução Francesa, a biblioteca é particular.
BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE WIBLIGEN – ULM, ALEMANHA
Fundada em 1093 e remodelada para o estilo barroco no século XVIII.
BIBLIOTECA JOANINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA – COIMBRA, PORTUGAL
Em operação desde o início do século XVI, a instituição conta hoje com mais de 1 milhão de livros.
NOVA BIBLIOTECA DE STUTTGART – STUTTGART, ALEMANHA
A Biblioteca de Stuttgart trata-se de um cubo monolítico com dois pisos subterrâneos e nove andares. O edifício inteiro, tanto dentro quanto fora, é completamente branco.
BIBLIOTECA PÚBLICA DE SALT LAKE CITY – SALT LAKE CITY, EUA
Construída em 2003, a Biblioteca Pública de Salt Lake City é resguardada por cinco paredes de vidros curvos que terminam em uma claraboia de 20 mil metros quadrados. O topo do edifício, que conta com mais de 500 mil livros, possui um terraço com árvores e flores.
REAL GABINETE PORTUGUÊS DA LEITURA - ESTADO DO RIO DE JANEIRO, BRASIL
O prédio é dos mais antigos do centro do Rio de Janeiro, sua inauguração foi em 1887 depois de passar por vários endereços desde 1837, quando a instituição surgiu.
BEINECKE RARE BOOK AND MANUSCRIPT LIBRARY - NEW HAVEN, EUA
Inteiramente dedicada a manuscritos e livros raros, foi construída em 1963, de acordo com projeto de Gordon Bunshaft, é a maior biblioteca do gênero no mundo.
ANTIGUA LIBRERÍA - UNIVERSIDAD DE SALAMANCA, ESPANHA
Com aproximadamente 906 mil títulos, em sua maioria manuscritos em pergaminho e livros raros, a biblioteca começou a ser construída em 1411.
THE TRINITY COLLEGE LIBRARY - DUBLIN, IRLANDA
Conhecida como “The Long Room”, ou salão longo, sua construção data de 1592. A maior biblioteca da Irlanda, ela conta com nada menos do que 5 milhões de volumes.
PHILOLOGICAL LIBRARY - BERLIM, ALEMANHA
Norman Foster se inspirou no formato de um cérebro humano para projetar a biblioteca inaugurada em 2005. Com 700 mil volumes, ela é o principal edifício da universidade e se tornou um dos principais pontos turísticos da capital alemã.
CENTRAL LIBRARY - DELFT, HOLANDA
Principal centro universitário holandês, inaugurado no ano de 1997.
BIBLIOTECA DA PONTIFICIA UNIVERSITÀ LATERANENSE - ROMA, ITÁLIA
Conhecido como Biblioteca Pia, o acervo foi criado pelo Papa Pio IX, em 1895, mas a sede dos 700 mil volumes atuais foi fundada em 2007 pelo Papa Bento XVI.
THE HARPER LIBRARY READING ROOM - CHICAGO, EUA
Renovada pelos arquitetos do escritório norte-americano Studio Gang, em 2008, a sala de leitura da universidade de Chicago é uma das primeiras bibliotecas dos Estados Unidos a ficar aberta 24h por dia, 7 dias por semana.
GEORGE PEABODY LIBRARY - BALTIMORE, ESTADOS UNIDOS
A principal biblioteca da Johns Hopkins University abriu as portas em 1878, após mais de dez anos de construção.
WREN LIBRARY, TRINITY COLLEGE - CAMBRIDGE, REINO UNIDO
Uma das inúmeras bibliotecas de Cambridge, a Wren Library guarda todo o acervo de livros do Trinity College e exibe bustos dos ex-alunos que conquistaram maior notoriedade no campo da pesquisa científica.
Fonte: http://livrosleituraseleitores.blogspot.com.br/2014/02/as-bibliotecas-mais-bonitas-e.html
Livros sobre bibliotecas
Libros sobre Bibliotecas
http://soybibliotecario.blogspot.com.ar/
Una selección de libros de ficción y no-ficción, para adultos y para niños, que tienen a las bibliotecas y a los bibliotecarios/as, como protagonistas. Conoces algún otro. Compartilo con nosotros.
Gonçalo M. Tavares. "Biblioteca". Editorial Xordica. Poesía y literatura, bibliotecas de escritores. Muy interesante. |
"Biblioteca", relato de Zoran Zivkovic en el libro "Historias imposibles", editorial Minotauro. |
Alberto Mangel. "Bibliotecas". Editorial Gobierno de Navarra. Una reflexión sobre la biblioteca ideal, considerada como espacio, como forma y como imaginación. |
"Palabras por la biblioteca" Edita Consejería de Cultura de Castilla-La Mancha |
quarta-feira, 21 de maio de 2014
El jardín de senderos que se bifurcan - Borges
El jardín de senderos que se bifurcan
http://doctorpolitico.com/wp-content/uploads/2012/12/Textos-de-Borges.pdf
Em áudio:
http://www.goear.com/listen/c72afb8/el-jardin-de-los-senderos-que-se-bifurcan-jorge-luis-borges
Jardin de los senderos que se bifurcan from Estudio Palma on Vimeo.
Múltiplo...múltiplo...
Um rapapé respeitoso
Conto extraído do livro "Casamentos Bem Arranjados" (Nova Alexandria).
Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade.
CARLO EMILIO GADDA
A pequena casa de persianas verdes é abraçada por uma guarda de ciprestes e dista não menos de 400 metros da Villa Guidi e uns cem da avenida. O bonde número 13, depois das 9h, passa de hora em hora, até a meia-noite. Da margem oposta do rio, avista-se a breve série de janelinhas iluminadas lançando na solidão e no escuro da avenida um sinal do mundo ainda acordado, ainda vigilante: vêem-se as janelinhas correrem ao longo do negro pavoroso que as tílias coagularam no paredão. Do alto, a cidade, as torres de madrepérola, as luzes de cada ponte parecem amigas e próximas: um grito poderia atingir as ameias das torres, descer às mesinhas dos cafés: até as pessoas que estão se deleitando com os sorvetes. Não, nenhum grito seria ouvido nos cafés: nenhum grito que saísse da pequena casa de persianas verdes, a cem metros da tenebrosa avenida. Nem mesmo o motorneiro e o cobrador do bonde número 13 poderiam ouvi-lo, já que a geringonça rodando sobre os trilhos, saltitando a cada articulação, faz tamanho barulho que os deixa surdos, obriga-os a conversar em voz alta. E, depois, mal o bonde acaba de passar, tudo fica escuro de novo: e os grilos são os únicos donos da noite, das colinas. Os grilos, apesar de inumeráveis, não podem dar testemunho de nada, nem ir à delegacia dizer nada, nem aos guardas: nem chamar por gente.
A língua das pessoas, sobretudo a das mulheres, mas também a dos caixeiros das vendas lá de baixo, do bairro, e até a de gente muito séria, de outro lugar, dizia que dona Esther andava promovendo...: ou seja: que era muito hospitaleira com os conhecidos: uns sujeitos (quase sempre) muito distintos. O lugar ermo, dizia-se, era propício à hospitalidade. Para cada senhor que se via parado junto ao portão da casinha solitária, esperando o estalo da fechadura elétrica, tinha estado logo depois ou pouco antes uma senhora, no mesmo portão, tal qual mente distinta e na mesma atitude de espera. A meninada já tinha notado.
Outra opinião, em vez disso, era de que as raras visitas, masculinas e femininas, não tinham qualquer ligação entre si. As mulheres eram velhas amigas, uma enfermeira, ou a costureira, ou uma colega de colégio de muitos anos atrás: ou moças que recorriam à dona Esther para um conselho, para saber onde podiam fazer o enxoval mais barato. Os homens, poucos e sérios, também eles eram conhecidos perfeitamente inócuos: o dos impostos, o da luz, o do gás não, que não chega lá em cima: ou o advogado Farri, o médico, um entregador de mantimentos da vila, ou algum mendigo pedindo esmola. Dois ou três eleitos do coração (de antanho), ao que parece, e agora velhos aposentados: aos quais, dizia-se, a velha amiga não tinha coragem de recusar um auxílio para os apertos dos tempos novos e terríveis, um "adiamento", como eles o chamavam, com um sorriso melancólico: nos dias magros do fim do mês, mais frequentemente.
Quando o Cavaleiro Barbetti também precisou recorrer à coragem, como todos nós, e ajuntara os ouros e as jóias de sua querida Irma, a inesquecível companheira de 33 anos de vida (que lhe faltara há um ano exatamente), e daquelas jóias fizera um pacotinho e o enfiou no bolso: com todo o cuidado possível. Mirou-se de novo no espelho, virou-se, torceu o pescoço tentando enxergar-se... de lado, já que atrás não conseguia: alisou os bigodes, despediu-se com um leve rapapé, cheio de decoro e de melancolia: o ensaio geral, talvez, daquele que faria à dona Esther. Pegou a bengala de cana da Índia, do porta-guarda-chuvas, com um belo castão de marfim em forma de escarpim virado. Tinha calçado, um sofrimento de deslocar o lombo!, os sapatos bons de pala de verniz, de orelha de camurça cor de rola: (mas os saltos tinham se nivelado à sola, e por duas fendas transversais, sobre os dedos, olhando bem, entreviam-se as meias). Até com as luvas amarelas ele estava: sim. Estava com tudo.
Depois das vultosas despesas do hospital, dos funerais, do túmulo, a instabilidade não o largara um instante: parecia-lhe ter atrás um demônio que o puxava pelos cabelos, que o puxava para baixo, bem para baixo. De modo que, naquela noite, precisou mesmo recorrer à coragem.
Atravessou a ponte de ferro, que oscilava lentamente, à passagem dos carros: o rio, à noite, sob a ponte, incutia-lhe toda vez uma sensação de temor: como se lhe pudesse acontecer de cair ali, de ser arrastado pela correnteza de um verde lívido, das águas tumultuosas. Atingindo a outra margem, pareceu-lhe ter aportado são e salvo. Tomou o 13. O encontro era para as nove. Nem mesmo tinha comido: só de pensar, perdera o apetite. Tinha um papelucho com o endereço. Releu: avenida Michelangelo, nº 281, a uma centena de passos da parada do bonde. Pediu ao cobrador para descer ali. Dos bons propósitos de dona Esther o Malvezzi não duvidava (fora o amigo a "colocá-los em contato": a comentar com ela o seu caso). A ele, então, falara dela muito bem: dera-lhe, pode-se dizer, o empréstimo por garantido. O coração de uma senhora, de uma mulher: que sabe: que intui. Que compreende. Naturalmente... um desconhecido. Mas, já que era ele que o apresentava! E depois... uma pessoa de bem se conhece pela cara. Cavaleiro: aposentado do Estado. Naturalmente, visto que dona Esther... Uma garantia seria bem-vinda. Naturalmente, naturalmente... Oh, a sua Irma devia perdoá-lo. Nunca imaginaria ter que rebaixar-se a tanto. Quando o bonde parou, só para ele, havia uma última réstia de luz no horizonte distante: as andorinhas tinham todas desaparecido do céu: o morcego, na Villa Guidi, já enguirlandara os arcos e a torre com seu vôo cego, pesado, desgarrado: feito um rato com asas.
Os ciprestes meteram-lhe medo. Os sapatos bons, de verniz e de camurça, estalaram ao longo do caminho. As meias, não, não, não iriam dar na vista... através das duas rachaduras da pala: dona Esther não haveria de botar reparo nisso: estava escuro, quase: era noite. Mas do portão um jovem saiu correndo como numa competição de ginástica: como se quisesse alcançar o bonde que se afastara a galope. Não olhou, não diminuiu a marcha, não disse nada: estava escuro: corria como um atleta, esbarrava numa de suas mangas, ao passar: pois é: mas o rosto virado, na direção do bonde que agora desaparecia numa curva. O cavaleiro Barbetti deu mais alguns passos. O jovem deixara aberto o portãozinho: a porta da casa também estava aberta, a luz acesa, dentro: uma luz velha e fraca de vestíbulo. O cavaleiro Barbetti pediu: dá licença?, dá licença?, com toda distinção. Esperava ouvir perguntarem: quem é?, e preparava-se para responder, um amigo! Nada, ninguém. A solidão imprevista, o silêncio e a imprevista imobilidade dos ciprestes deixaram-no aterrorizado. Apalpou com a mão o seu tesouro, a sua "garantia", no bolso do paletó. Mas onde viera parar, àquela hora? naquela escuridão?... Sentiu que a garantia era justamente o que menos o garantiria... na eventualidade... era uma razão a mais, aliás, a mais que de costume... Imagens assustadoras rodearam-no... Sua velhice indefesa... Sua cana da Índia... com o castão de marfim... Recobrou o ânimo, não podia deixar de fazê-lo depois de toda aquela viagem: superou os dois degraus, tirou o chapéu, e aí pediu: dá licença?, entrou. Um gato desceu as escadas precipitadamente, dardejou através do vestíbulo, sumiu. Quem sabe, talvez dona Esther, como algumas vezes sói acontecer às velhas, fosse surda... Ou talvez tivesse passado mal? O jovem estava correndo atrás do médico?... Mas, e o telefone, então?... O cavaleiro subiu, chegou ao patamar das escadas. A porta de um quarto entreaberta: no quarto... a luz acesa. O cavaleiro sentiu... sentiu... que os ouros e as jóias de sua Irma deviam ser empenhados naquela mesma noite, a qualquer preço... E então... Então aproximou-se: com um rapapé, como aquele que uma hora antes saíra-lhe tão bem, diante do espelho. O chapéu na mão, dessa vez, as luvas amarelas, a cana da Índia segurada pelo castão de marfim, pelo escarpim... Pôs nele, no rapapé, toda a distinção, todo o decoro de uma vida. Levantou a cabeça.
Uma coisa horrenda olhou-o da cama: com dois olhos horrendos, fitava-o, de um jeito que o cavaleiro Barbetti jamais vira em sua vida. Parecia estar prestes a vomitar, a velha: a língua, fora da boca, estava enorme, escura: ele teve a impressão de que dona Esther tinha enlouquecido, possuída por um demônio: e que por maldade daquele demônio que a dominava, lá do íntimo, quisesse insultá-lo e fazer-lhe uma desfeita, a ele, à sua falecida Irma, ao sacrifício de ambos, às jóias do casamento. No pescoço, uma espécie de trapo esfiapado... não entendeu o que era... Bracejou com as mãos, com as luvas, com o chapéu, com a cana da Índia... retirou-se... O terror queria petrificá-lo, gostaria de sair correndo... como o outro... Cri, cri faziam-lhe sob os pés os malditos sapatos, ao descer..., cri, cri, cri...
Muitos meses mais tarde, a polícia conseguiu identificar e prender o assassino. Fizeram todo tipo de conjecturas, as pessoas, inventaram todas que quiseram. Das mais variadas, assustaram. Até aquela, mas qual!, de que dona Esther tinha uma queda pelo rapazola. A polícia não, desde o princípio: conhecem o mundo: com o faro, eles o conhecem: mas são gente séria. A polícia achou que o rapazola devia ter tomado alguns empréstimos, da velha, talvez até sem garantia, isto sim: confidências imprudentes, talvez: por isso ele sabia, ou tinha adivinhado, que naquela noite às nove dona Esther "iria receber um cliente": (no caso o cavaleiro Barbetti): e que, portanto, havia dinheiro em casa. Dinheiro! Dois coelhos numa cajadada: cancelamento dos débitos, dinheiro vivo sem recibo.
No processo, além do cavaleiro Barbetti, mais a cana da Índia e os sapatos de verniz (sobre os quais o procurador do ex-rei deteve-se e dissertou longamente, pois que faziam cri cri, e deduzia-se daí que deveriam ter acordado a senhora, a velha: mas aconteceu que não a despertaram de jeito nenhum), além de tudo isso, no processo, veio à baila uma cordinha: não muito velha, e de qualquer modo "muito resistente à tração", como a perícia técnica não deixou de especificar.
A pequena casa de persianas verdes é abraçada por uma guarda de ciprestes e dista não menos de 400 metros da Villa Guidi e uns cem da avenida. O bonde número 13, depois das 9h, passa de hora em hora, até a meia-noite. Da margem oposta do rio, avista-se a breve série de janelinhas iluminadas lançando na solidão e no escuro da avenida um sinal do mundo ainda acordado, ainda vigilante: vêem-se as janelinhas correrem ao longo do negro pavoroso que as tílias coagularam no paredão. Do alto, a cidade, as torres de madrepérola, as luzes de cada ponte parecem amigas e próximas: um grito poderia atingir as ameias das torres, descer às mesinhas dos cafés: até as pessoas que estão se deleitando com os sorvetes. Não, nenhum grito seria ouvido nos cafés: nenhum grito que saísse da pequena casa de persianas verdes, a cem metros da tenebrosa avenida. Nem mesmo o motorneiro e o cobrador do bonde número 13 poderiam ouvi-lo, já que a geringonça rodando sobre os trilhos, saltitando a cada articulação, faz tamanho barulho que os deixa surdos, obriga-os a conversar em voz alta. E, depois, mal o bonde acaba de passar, tudo fica escuro de novo: e os grilos são os únicos donos da noite, das colinas. Os grilos, apesar de inumeráveis, não podem dar testemunho de nada, nem ir à delegacia dizer nada, nem aos guardas: nem chamar por gente.
A língua das pessoas, sobretudo a das mulheres, mas também a dos caixeiros das vendas lá de baixo, do bairro, e até a de gente muito séria, de outro lugar, dizia que dona Esther andava promovendo...: ou seja: que era muito hospitaleira com os conhecidos: uns sujeitos (quase sempre) muito distintos. O lugar ermo, dizia-se, era propício à hospitalidade. Para cada senhor que se via parado junto ao portão da casinha solitária, esperando o estalo da fechadura elétrica, tinha estado logo depois ou pouco antes uma senhora, no mesmo portão, tal qual mente distinta e na mesma atitude de espera. A meninada já tinha notado.
Outra opinião, em vez disso, era de que as raras visitas, masculinas e femininas, não tinham qualquer ligação entre si. As mulheres eram velhas amigas, uma enfermeira, ou a costureira, ou uma colega de colégio de muitos anos atrás: ou moças que recorriam à dona Esther para um conselho, para saber onde podiam fazer o enxoval mais barato. Os homens, poucos e sérios, também eles eram conhecidos perfeitamente inócuos: o dos impostos, o da luz, o do gás não, que não chega lá em cima: ou o advogado Farri, o médico, um entregador de mantimentos da vila, ou algum mendigo pedindo esmola. Dois ou três eleitos do coração (de antanho), ao que parece, e agora velhos aposentados: aos quais, dizia-se, a velha amiga não tinha coragem de recusar um auxílio para os apertos dos tempos novos e terríveis, um "adiamento", como eles o chamavam, com um sorriso melancólico: nos dias magros do fim do mês, mais frequentemente.
Quando o Cavaleiro Barbetti também precisou recorrer à coragem, como todos nós, e ajuntara os ouros e as jóias de sua querida Irma, a inesquecível companheira de 33 anos de vida (que lhe faltara há um ano exatamente), e daquelas jóias fizera um pacotinho e o enfiou no bolso: com todo o cuidado possível. Mirou-se de novo no espelho, virou-se, torceu o pescoço tentando enxergar-se... de lado, já que atrás não conseguia: alisou os bigodes, despediu-se com um leve rapapé, cheio de decoro e de melancolia: o ensaio geral, talvez, daquele que faria à dona Esther. Pegou a bengala de cana da Índia, do porta-guarda-chuvas, com um belo castão de marfim em forma de escarpim virado. Tinha calçado, um sofrimento de deslocar o lombo!, os sapatos bons de pala de verniz, de orelha de camurça cor de rola: (mas os saltos tinham se nivelado à sola, e por duas fendas transversais, sobre os dedos, olhando bem, entreviam-se as meias). Até com as luvas amarelas ele estava: sim. Estava com tudo.
Depois das vultosas despesas do hospital, dos funerais, do túmulo, a instabilidade não o largara um instante: parecia-lhe ter atrás um demônio que o puxava pelos cabelos, que o puxava para baixo, bem para baixo. De modo que, naquela noite, precisou mesmo recorrer à coragem.
Atravessou a ponte de ferro, que oscilava lentamente, à passagem dos carros: o rio, à noite, sob a ponte, incutia-lhe toda vez uma sensação de temor: como se lhe pudesse acontecer de cair ali, de ser arrastado pela correnteza de um verde lívido, das águas tumultuosas. Atingindo a outra margem, pareceu-lhe ter aportado são e salvo. Tomou o 13. O encontro era para as nove. Nem mesmo tinha comido: só de pensar, perdera o apetite. Tinha um papelucho com o endereço. Releu: avenida Michelangelo, nº 281, a uma centena de passos da parada do bonde. Pediu ao cobrador para descer ali. Dos bons propósitos de dona Esther o Malvezzi não duvidava (fora o amigo a "colocá-los em contato": a comentar com ela o seu caso). A ele, então, falara dela muito bem: dera-lhe, pode-se dizer, o empréstimo por garantido. O coração de uma senhora, de uma mulher: que sabe: que intui. Que compreende. Naturalmente... um desconhecido. Mas, já que era ele que o apresentava! E depois... uma pessoa de bem se conhece pela cara. Cavaleiro: aposentado do Estado. Naturalmente, visto que dona Esther... Uma garantia seria bem-vinda. Naturalmente, naturalmente... Oh, a sua Irma devia perdoá-lo. Nunca imaginaria ter que rebaixar-se a tanto. Quando o bonde parou, só para ele, havia uma última réstia de luz no horizonte distante: as andorinhas tinham todas desaparecido do céu: o morcego, na Villa Guidi, já enguirlandara os arcos e a torre com seu vôo cego, pesado, desgarrado: feito um rato com asas.
Os ciprestes meteram-lhe medo. Os sapatos bons, de verniz e de camurça, estalaram ao longo do caminho. As meias, não, não, não iriam dar na vista... através das duas rachaduras da pala: dona Esther não haveria de botar reparo nisso: estava escuro, quase: era noite. Mas do portão um jovem saiu correndo como numa competição de ginástica: como se quisesse alcançar o bonde que se afastara a galope. Não olhou, não diminuiu a marcha, não disse nada: estava escuro: corria como um atleta, esbarrava numa de suas mangas, ao passar: pois é: mas o rosto virado, na direção do bonde que agora desaparecia numa curva. O cavaleiro Barbetti deu mais alguns passos. O jovem deixara aberto o portãozinho: a porta da casa também estava aberta, a luz acesa, dentro: uma luz velha e fraca de vestíbulo. O cavaleiro Barbetti pediu: dá licença?, dá licença?, com toda distinção. Esperava ouvir perguntarem: quem é?, e preparava-se para responder, um amigo! Nada, ninguém. A solidão imprevista, o silêncio e a imprevista imobilidade dos ciprestes deixaram-no aterrorizado. Apalpou com a mão o seu tesouro, a sua "garantia", no bolso do paletó. Mas onde viera parar, àquela hora? naquela escuridão?... Sentiu que a garantia era justamente o que menos o garantiria... na eventualidade... era uma razão a mais, aliás, a mais que de costume... Imagens assustadoras rodearam-no... Sua velhice indefesa... Sua cana da Índia... com o castão de marfim... Recobrou o ânimo, não podia deixar de fazê-lo depois de toda aquela viagem: superou os dois degraus, tirou o chapéu, e aí pediu: dá licença?, entrou. Um gato desceu as escadas precipitadamente, dardejou através do vestíbulo, sumiu. Quem sabe, talvez dona Esther, como algumas vezes sói acontecer às velhas, fosse surda... Ou talvez tivesse passado mal? O jovem estava correndo atrás do médico?... Mas, e o telefone, então?... O cavaleiro subiu, chegou ao patamar das escadas. A porta de um quarto entreaberta: no quarto... a luz acesa. O cavaleiro sentiu... sentiu... que os ouros e as jóias de sua Irma deviam ser empenhados naquela mesma noite, a qualquer preço... E então... Então aproximou-se: com um rapapé, como aquele que uma hora antes saíra-lhe tão bem, diante do espelho. O chapéu na mão, dessa vez, as luvas amarelas, a cana da Índia segurada pelo castão de marfim, pelo escarpim... Pôs nele, no rapapé, toda a distinção, todo o decoro de uma vida. Levantou a cabeça.
Uma coisa horrenda olhou-o da cama: com dois olhos horrendos, fitava-o, de um jeito que o cavaleiro Barbetti jamais vira em sua vida. Parecia estar prestes a vomitar, a velha: a língua, fora da boca, estava enorme, escura: ele teve a impressão de que dona Esther tinha enlouquecido, possuída por um demônio: e que por maldade daquele demônio que a dominava, lá do íntimo, quisesse insultá-lo e fazer-lhe uma desfeita, a ele, à sua falecida Irma, ao sacrifício de ambos, às jóias do casamento. No pescoço, uma espécie de trapo esfiapado... não entendeu o que era... Bracejou com as mãos, com as luvas, com o chapéu, com a cana da Índia... retirou-se... O terror queria petrificá-lo, gostaria de sair correndo... como o outro... Cri, cri faziam-lhe sob os pés os malditos sapatos, ao descer..., cri, cri, cri...
Muitos meses mais tarde, a polícia conseguiu identificar e prender o assassino. Fizeram todo tipo de conjecturas, as pessoas, inventaram todas que quiseram. Das mais variadas, assustaram. Até aquela, mas qual!, de que dona Esther tinha uma queda pelo rapazola. A polícia não, desde o princípio: conhecem o mundo: com o faro, eles o conhecem: mas são gente séria. A polícia achou que o rapazola devia ter tomado alguns empréstimos, da velha, talvez até sem garantia, isto sim: confidências imprudentes, talvez: por isso ele sabia, ou tinha adivinhado, que naquela noite às nove dona Esther "iria receber um cliente": (no caso o cavaleiro Barbetti): e que, portanto, havia dinheiro em casa. Dinheiro! Dois coelhos numa cajadada: cancelamento dos débitos, dinheiro vivo sem recibo.
No processo, além do cavaleiro Barbetti, mais a cana da Índia e os sapatos de verniz (sobre os quais o procurador do ex-rei deteve-se e dissertou longamente, pois que faziam cri cri, e deduzia-se daí que deveriam ter acordado a senhora, a velha: mas aconteceu que não a despertaram de jeito nenhum), além de tudo isso, no processo, veio à baila uma cordinha: não muito velha, e de qualquer modo "muito resistente à tração", como a perícia técnica não deixou de especificar.
Conto extraído do livro "Casamentos Bem Arranjados" (Nova Alexandria).
Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade.
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