ARTES VISUAIS E
OUTRAS INTERVENÇÕES
Cristino Pitón
Biblioteca
Caravelas
Ações silenciosas que
acontecerão todo o tempo, com os livros e objetos que retiro da biblioteca.
CompArte pela Humanidade
Festival de Artes convocado pelo
Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN)
Proposta:
Sedes Alternas – Salvador e São Paulo
22 a 24 de Julho de 2016
“Acreditamos”, disse o Subcomandante Insurgente Galeano (antes Marcos) numa carta ao romancista mexicano Juan Villoro, “que a possibilidade de um mundo melhor radica fora da máquina (…), e sua possibilidade sustenta-se num tripé (…): as artes, as ciências e os povos originários e os porões da humanidade.”
“Escrevi ‘as artes’”, continua o Subcomandante,
“porque são elas (e não a política) as que cavam no que há de mais
profundo no ser humano e resgatam sua essência. Como se o mundo
continuasse o mesmo, mas com elas e por elas pudéssemos encontrar a
possibilidade humana no meio de tantas engrenagens, porcas e molas rangendo
mal-humoradas. À diferença da política, a arte não tenta reajustar ou consertar
a máquina. Ela faz algo mais subversivo e inquietante: mostra a possibilidade
de outro mundo.”
Para os zapatistas, nesta sua mais recente fase de
luta, as artes e as ciências são o fundamento para a construção de outro mundo:
arma revolucionária nas mãos dos povos originários e de todos aqueles que
vivemos e lutamos nos porões da humanidade.
Por isso, o EZLN está organizando dois eventos mundiais nos próximos meses:
o Festival de artes “CompARTE pela Humanidade”, do 17 ao 30 de
julho de 2016 em Chiapas, México, com a participação de artistas zapatistas, na
primeira semana, e de todas partes do mundo, na segunda semana; e o encontro de
ciências “@s Zapatistas e as conCIÊNCIAS pela Humanidade”, do 25 de dezembro ao
4 de janeiro, também em Chiapas.
Como parte da iniciativa, lançam o convite
para criarmos sedes alternas do festival “CompArte” em qualquer parte
do mundo.
Assim nasce a ideia de criar duas
sedes alternas do Festival de Artes “CompArte” no Brasil:
Salvador e São Paulo. Um encontro de artistas que
acreditamos que, para enfrentar a tempestade dos nossos tempos, é
preciso sair da máquina e criar outro mundo na prática.
A Tempestade
A ideia do festival surge de uma observação prática
e uma reflexão teórica sobre os nossos tempos. Para os zapatistas, o mundo está
à beira de uma catástrofe, de uma tempestade. Uma tempestade que já começou.
Uma tempestade de morte que se reflete, por exemplo, no ódio e na violência
desatada no Brasil pela direita; na brutalidade do narco-Estado no México; no
racismo e a intolerância na Europa e nos Estados Unidos; na prisão massiva das
populações consideradas “descartáveis”; na privatização de todos os bens
comuns; na destruição sistemática de formas não capitalistas de vida; na
impensável tragédia dos migrantes no mundo todo; nas guerras genocidas no
planeta; no fanatismo e a morte no Meio Oriente e outras partes do mundo; no
ódio generalizado; na dor do povo Palestino; na voracidade sem limites do
capital; na mentira da “democracia” e do sistema de partidos políticos. Mas,
também, no “¡Ya Basta!”, no “Chega!” que se escuta em todo o planeta.
Na virada de 2014 para o 2015, os zapatistas
convocaram a um Festival Mundial das Resistências e as Rebeldias em várias partes do México, com
a participação de movimentos de muitas partes do mundo, onde a destruição da
tempestade ficou evidente nos relatos dolorosos, mas também seu contraponto na
forma das resistências. Depois, em maio de 2015, o EZLN organizou um grande
evento de reflexão teórica: o Seminário “O Pensamento
Crítico perante a Hidra Capitalista”, uma semana de reflexão com a
participação do EZLN e de pensadores de muitas partes do mundo.
Ambos eventos (prática e teoria) mostraram a
magnitude da tempestade e os muitos braços da hidra. Mas também serviram para
refletir sobre a nossa ação, nossa resistência e nossa criação de outros mundos
possíveis.
O Muro e a Fenda
Perante a tempestade, vale a pena se perguntar se
as mesmas formas de luta de sempre funcionam. Marchas, manifestações,
movimentos massivos… No Brasil, a esperança das ruas em 2014 parece ter
despencado no abismo do ódio e na crise da “democracia” que vemos hoje. No
México, a maquinaria de morte continua incólume apesar das grandes mobilizações
dos últimos anos. A primavera árabe resultou, afinal, não ser tão florida. A
indignação europeia não deteve a voracidade neoliberal.
“O Sistema não teme os estouros, por mais massivos
e luminosos que sejam”, disse o Subcomandante Galeano no primeiro dia do Seminário.
“Se um governo cai, há outros em seu armário para repor e impor. O que o
aterroriza é a perseverança da rebeldia e a resistência dos de baixo.”
O EZLN sabe disso: décadas construindo outro mundo
na prática com perseverança. Sistemas de educação e saúde em todo o território
zapatista, sem um centavo do governo; um governo autônomo independente do
Estado; um sistema de justiça próprio; sistemas produtivos autônomos; projetos
de agroecologia, comunicação, transporte e muito mais.
Com paciência, com rebeldia e resistência, abrir
fendas no muro criando alternativas reais. Sem esperar que as soluções venham
de cima, de partidos políticos, de “líderes” e vanguardas. Sem continuar
acreditando que o sistema, a máquina, pode ser consertada, melhorada.
Construindo outra coisa. Já, agora.
O convite é esse: contribuir a rachar o muro com a nossa melhor arma –
as artes e as ciências – para, através da fenda, vislumbrar o futuro
every beginning
is only a sequel, after all,
and the book of events
is always open halfway through
(wislawa szymborska)
is only a sequel, after all,
and the book of events
is always open halfway through
(wislawa szymborska)
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