sexta-feira, 12 de julho de 2013

Bombas Passiflora

Sobre a pesquisa




Há muitos anos realizo uma ação silenciosa: o plantio de frutas, verduras e grãos em terrenos abandonados ou espaços públicos subutilizados. No dia de São José uso milho que deve ser colhido em São João[1], em outros dias planto abóbora, outras vezes feijão, mas o meu preferido é sem dúvida o maracujá, que aproveita as cercas de arame farpado como estrutura, trazendo flores lindas ao local, além dos frutos que desaparecem ainda verdes. Costumo compartilhar esse tipo de exercício com meus amigos e alunos: sugiro que andem com sementes nos bolsos, multiplicando e potencializando ocupações silenciosas. Seguindo as indicações de Castañeda:

Primeiro caminhe até tua primeira planta e lá observe atentamente como escoa a água de torrente a partir desse ponto. A chuva deve ter transportado os grãos para longe. Siga as valas que a água escavou, e assim conhecerá a direção do escoamento. Busque então a planta que, nessa direção encontra-se mais afastado da tua. Todas aquelas que crescem entre essas duas são para ti. Mais tarde, quando essas duas derem por sua vez grãos, tu poderás, seguindo o curso das águas, a partir de cada uma destas plantas, aumentar teu território. (CASTAÑEDA, 1985, p37)

Surgiu a escolha do maracujá como estratégia estrutural de pesquisa e princípio criativo, as escolhas dos galhos laterais se referem a projetos de vida e de criação artística que tenho desenvolvido desde a graduação, dei continuidade durante o mestrado, nas atividades em sala de aula como professor e pretendo reunir diversos resultados no doutorado.
Com a pesquisa através do tempo, percebi que tais construções coletivas possuem em si o poder modificador da arte, utilizada com diferentes funções, como pode ser reforçado por Borriaud:
(...) aprender  a habitar el mundo, em lugar de querer construirlo según uma idea preconcebida de la evolución histórica. En otras palavras,  las obras ya no tienen como meta formar realidades imaginarias o utópicas, sino constituir modos de existência o modelos de acción dentro de lo real ya existente, cualquiera que fuera la escala elegida por el artista... El artista habita las circunstancias que el presente le oferece para transformar el contexto de su vida (su relación com el mundo sensible o conceptual) em um universo duradero. (BORRIAUD, 2008, p.12)   

E por Canclini:
Em vez  de reproduzir ingenuamente as relações sociais, isto é, reproduzir – mais que o real – as convenções icônicas que nos acostumam a vê-lo de certa maneira, trata-se de reproduzir uma arte que  reelabore criticamente o real e seus códigos de representação. (CANCLINI,1979, p.17)

Em certo momento, o artista passou a interferir diretamente na realidade, em situações cotidianas, modificando a atuação da arte na sociedade. Com relação a isso, Cildo Meireles  (1981, p. 40) observa: “Me lembro que entre 1968 e 1970 sabia que estávamos começando a tangenciar o que interessava; não estávamos mais trabalhando com metáforas (representações) de situações, mas com a situação mesmo, real.” Acredito que interferir no cotidiano, aliando elementos artísticos a experiências desenvolvidas em âmbito acadêmico, com propostas colaborativas na construção de realidades e de conhecimento científico seja de grande valia para minha pesquisa pessoal, para disponibilizar conhecimentos adquiridos e para o crescimento da universidade.




[1] Essa foi uma das ações realizadas em meu trabalho final de graduação: Interferências na Vênus, onde foram propostas interferências na escultura localizada na frente do Casarão da Escola de Belas Artes da UFBA. Tudo começou com uma cerca de arame farpado, colocada em volta do monumento, informando a apropriação do mesmo, as ações seguiram, uma por semana, finalizando com a plantação de cerca de dois quilos de semente de milho em todo jardim ao seu redor, numa ilustre referência à Vênus de Milho.


Construção de carimbos para próximas ocupações










Maracujás